Entrevista do Diário Insular ao Presidente da Cáritas da Ilha Terceira
1 – Um estudo de âmbito nacional, recentemente divulgado, alerta para o risco do aumento da taxa de pobreza em Portugal. Esse mesmo trabalho aponta o caso dos Açores como dos mais preocupantes. Qual a perceção da Caritas da Terceira sobre a situação da pobreza na ilha decorrente da pandemia da covid-19?
Tendo por referência os dados oficiais apresentados ao longo dos últimos anos, percebemos que o risco de pobreza nos Açores tem sido um dos mais elevados, ainda antes do despertar da pandemia da covid-19. No ano de 2018 os dados do INE indicavam um risco de pobreza ou exclusão social de 36,4%, quando comparado com os 21,1% a nível nacional. Este estudo recente demonstra novamente que esta diferença irá persistir, tendo em conta que o turismo e todas as áreas de emprego associadas estavam em crescimento, mas com a crise pandémica e a redução do turismo nos açores, perspetiva-se o aumento de desemprego e das desigualdades sociais que poderão estar intimamente ligadas aos fatores de risco para a pobreza e exclusão social.
Contudo, consideramos que as consequências da pandemia e o seu efeito na situação de pobreza na ilha Terceira ainda não são totalmente percetíveis, pelo facto de neste momento existirem várias entidades públicas e particulares com apoios destinados a indivíduos e empresas diretamente afetados pela pandemia. Se estes apoios cessarem, a situação poderá ficar preocupante não só na ilha Terceira mas em todos os Açores.
2 – Quais as principais ações que a Caritas da Terceira tem desenvolvido para apoiar as famílias com maiores dificuldades?
Além de disponibilizar às famílias os seus recursos internos, tais como o Banco de Alimentos, Mobiliário, Vestuário e apoio financeiro para despesas básicas, a Cáritas da Ilha Terceira recorre aos programas da Cáritas Portuguesa. É o caso da Prioridade às Crianças, programa que tem como objetivo prestar apoio financeiro a crianças nas áreas da educação e saúde. O programa Inverter a Curva da Pobreza, que tem como missão apoiar prioritariamente as famílias afetadas de alguma forma pela pandemia através de compras de alimentos e apoio financeiro. Além destas respostas, foi estabelecida parceria com o Instituto da Segurança Social dos Açores, ficando a Cáritas da Ilha Terceira responsável pela distribuição mensal do Programa de Apoio Alimentar aos Mais Carenciados abrangendo um total de 226 agregados familiares residentes nos concelhos da ilha Terceira.
Mantemos contatos regulares e de proximidade com os núcleos de freguesia, no sentido de identificar famílias que necessitam de apoio decorrente de situações de desemprego ou perda de rendimento associados à pandemia Covid-19 que podem não chegar a nosso conhecimento direto.
3 – Para além da ajuda direta que outras ações têm sido desenvolvidas para atenuar a pobreza na Terceira?
Durante o ano de 2021, será feito um diagnóstico institucional e a criação de planos de ação para os próximos anos, por uma entidade externa, através da componente de capacitação do Programa Cidadãos Ativos do mecanismo financeiro da Noruega, Liechtenstein e Islândia, gerido em Portugal pela Fundação Calouste Gulbenkian em consórcio com a Fundação Bissaya Barreto. No final deste trabalho, será possível termos uma visão mais científica e estruturada de como a nossa instituição poderá intervir e na eventualidade das possíveis necessidades de reestruturação das nossas ações.
Na nossa perspetiva e experiência de intervenção social, podemos reforçar que o combate à pobreza terá de ser feito desde logo através do aprimorar do sistema de ensino e formação e apoio à empregabilidade dos nossos utentes, criando assim condições de base para que os casos de pobreza na Terceira tenham uma tendência de decréscimo. Ao capacitar os nossos jovens com ferramentas que lhes permitam concluir pelo menos o 9º ano de escolaridade, mas também promover competências pessoais e sociais que conduzam à integração no mercado de trabalho com vencimentos dignos e que correspondam às funções desempenhadas, estamos a criar desde logo estratégias que podem minimizar o risco de entrada em situação de pobreza.
A necessidade de criar sinergias com entidades públicas e privadas, que possibilitem a rentabilização de recursos e aperfeiçoar estratégias de intervenção com públicos vulneráveis, nomeadamente com as crianças, jovens e as suas famílias, são metas que temos vindo a consolidar, sem nunca esquecer a recetividade e proximidade existente entre esta instituição e o tecido empresarial local.
4 – No âmbito das suas atividades, quais são os principais programas de âmbito social que estão em curso ou que vão ser implementados pela Caritas da Terceira?
Mantemos uma estrutura de intervenção de base muito sólida, através das ações promovidas pelas diversas valências que dão resposta às necessidades dos nossos utentes. A Creche e Jardim de Infância Mãe de Deus, que permite desde muito cedo uma socialização e momentos de aprendizagem base para o ingresso no 1º ciclo, bem como uma proximidade com as famílias. A Animação de Rua que desenvolve um trabalho de motivação e promoção de hábitos de vida saudáveis com crianças e jovens. A Unidade de Atendimento Social com o trabalho de apoio de emergência e de articulação com as famílias.
O Projeto 3D financiado pelo Município de Angra do Heroísmo, que tem como foco principal a promoção do sucesso escolar e do desenvolvimento social e emocional das crianças, está a ser implementado em 3 escolas do concelho (São João de Deus, São Mateus e Terra Chã) e revela-se como uma grande aposta desta instituição em desconstruir barreiras sociais e promover uma melhor integração social das nossas crianças, articulando sempre com as famílias e com as entidades parceiras.
A empresa de inserção social As Nossas Quintas cujo foco é a integração de jovens em situação de maior vulnerabilidade social em atividades laborais na área da agricultura biológica e da pastelaria, potenciando as capacidades dos jovens para posterior integração no mercado regular de trabalho. Também e em articulação com o Centro de Desenvolvimento e Inclusão Juvenil (CDIJ) desenvolvemos o Projeto Semente(s) com o objetivo de promoção de atividades práticas para utentes com deficiência mental ligeira e o Projeto No Planet B As Nossas Quintas 2.0 que pretende consciencializar jovens e famílias para a sustentabilidade ambiental, desenvolvendo uma série de atividades teóricas e práticas nos terrenos da Cáritas e/ou nas escolas e entidades parceiras, com um foco também na criação de hortas escolares e domésticas, projetos financiados pela Vice-Presidência do Governo Regional dos Açores.
Por fim, o CDIJ também desenvolve ações de captação, estabilização e formação de jovens em situação de maior vulnerabilidade social em articulação com as escolas do concelho de Angra do Heroísmo, o Instituto Segurança Social dos Açores e outras entidades parceiras. Neste momento tem em desenvolvimento o Projeto Bota Sentido financiado pelo Programa Cidadãos Ativos na promoção do sucesso escolar e na capacitação para a empregabilidade de jovens em situação de maior fragilidade social.